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DigitalNFTs e Propriedade Intelectual – Uma breve introdução

agosto 11, 20250
 Brian Njuguna - blockchain.news
Brian Njuguna – blockchain.news

NFTs e Propriedade Intelectual – Uma breve introdução

 

Richard Alves de Farias
Artigo escrito por:

Richard Alves de Farias

Intellectual Property, Data Analytics and Legal Design
Publicado originalmente em 19 de março de 2021 no LinkedIn

 

Non-Fungible Tokens (NFTs), traduzidos livremente como “Tokens Não Fungíveis”, é a mais recente febre do setor cripto. Sua recente explosão no mundo do entretenimento e mídia cria novos mercados e oportunidades para artistas, músicos, marcas, investidores e consumidores. Conforme essa antes obscura tecnologia ganha tração, ela pode se tornar um pilar nos tratos relativos à cultura popular, com empresas e empreendedores buscando assegurar oportunidades de explorar as NFTs para estabelecer conexões com clientes, bem como diversificar as formas de lucrar com ativos digitais existentes ou recém-criados.

Com a nova tecnologia, novas perguntas são feitas, em especial nos campos da Propriedade Intelectual e proteção ao consumidor. Este texto busca responder algumas dessas duvidas, bem como sinalizar pontos importantes, uma vez que as várias formas de utilizar os NFTs e sua rápida evolução criam incertezas quanto a sua classificação e proteção legal.

O que é um Token não fungível (NFT)?

Um NFT é um ativo criptográfico exclusivo vinculado a um objeto, normalmente (pelo menos até agora) uma peça de arte digital, música, item colecionável ou um item dentro de um jogo. Seria algo similar a uma figurinha do álbum da Copa, um card do Pokémon ou um Tazo para a era digital, possuindo um alcance e potencial muito maior.

Alguns NFTs como deste card do jogador Cristiano Ronaldo, ou desta enterrada performada por Lebron James, estão avaliados em quase meio milhão de dólares. Um NFT emitido pelo artista digital Beeple foi arrematado pela enorme quantia de US$69 milhões. O primeiro tweet do mundo, publicado pelo próprio criador da rede social Jack Dorsey, atingiu lances de U$2,5 milhões. A banda Kings of Leon lançou um álbum com três tipos de NFTs, cada um trazendo versões exclusivas e vantagens, dentre elas acesso a artes visuais e até assentos vitalícios em shows do grupo.

Similar as criptomoedas (Bitcoin, Ethereum), NFTs usam tecnologia Blockchain para registrar propriedade e validar a autenticidade. porém, ao contrário da criptomoeda, cada token é único (ou seja, não fungível, não substituível). Os NFTs são comprados e vendidos em vários mercados, como o OpenSea, utilizando criptomoedas como meio de pagamento.

O que é Blockchain?

A tecnologia Blockchain nada mais é do que um livro contábil, onde se registram transações de moedas virtuais (tendo a Bitcoin como a mais famosa), de forma que esse registro seja confiável e inalterável. Uma característica chave desta tecnologia é que ela é descentralizada. Em vez de ser mantida em um único sistema de computador ou rede gerenciada por uma organização específica, a blockchain é distribuída e replicada em vários sistemas de computador por rede ponto-a-ponto, tornando suas entradas, pelo menos em teoria, imutáveis.

Seu nome (block – bloco; chain – corrente) designa os pedaços de código gerados online que carregam informações e se conectam a outros blocos, que formam uma corrente. Esses blocos de informação registram a quantia de criptomoedas transacionadas, quem as enviou, quem as recebeu, quando a transação foi realizada e em qual lugar do livro ela está registrada. Tudo isso de forma transparente.

A blockchain mais utilizada, e onde se realizam a maioria das operações com NFT’s é a “Ethereum”. Entretanto, alguns NFTs como os “momentos” da NBA Top Shot, são veiculados em uma blockchain privada, a Flow.

Para simplificar, podemos comparar os NFTs com a escritura de uma casa. A escritura não é o imóvel, mas um documento que reconhece quem é seu proprietário. Da mesma forma, um NFT não é item em si, vendido ou comprado pela internet, mas um certificado digital que representa quem é o dono deste item. Aqui cabe uma distinção importante: possuir o NFT não necessariamente garante a posse do item que a NFT representa.

Na compra de uma casa, suas características e informações constantes também na escritura também são registradas nos livros do cartório de imóveis[1], o que confere validade ao documento. Espera-se que tais registros se mantenham atualizados e protegidos, alteráveis apenas com consentimento dos proprietários. Ao comprar um NFT, essa transação também é registrada, na blockchain. Confia-se nesta tecnologia por se tratar de um grande livro, aberto para consulta, com registros imutáveis, onde bilhões de dólares são veiculados.

Então o que se adquire ao comprar um NFT?

Quando se compra um NFT, se adquire o direito de reivindicar a propriedade sobre o próprio NFT, e o direito de excluir todos os outros que aleguem possui-lo. Fora disso, dependerá dos termos que foram acertados na compra do NFT.

Por se tratar de um fenômeno recente, ainda não se verifica doutrinas ou jurisprudências sobre os NFTs. Ainda assim, com base nas determinações do Código Civil, o NFT pode ser classificado como um bem móvel, incorpóreo, infungível, indivisível, inconsumível, singular, comercializável, acessório e particular. Isso lhe confere a possibilidade de ser utilizado em transações de compra e venda, doação e até ser passível de sucessão.

O que não se adquire na compra de um NFT?

A propriedade de um NFT não dá direito à propriedade do ativo digital, da arte subjacente ou de qualquer outro objeto. A propriedade de um NFT também não concede, por padrão, nenhum direito à propriedade intelectual do ativo a que se relaciona.

Então, quem detém os direitos autorais ou copyright do trabalho do qual se gera um NFT?

Essa é a grande pergunta.

A resposta mais curta: o autor. Este manterá seu direito autoral ou copyright sobre seu trabalho, a não ser que os transfira para outros. Deste modo, exceto nos casos em que o NFT inclua na venda a transferência de copyrights ou direitos autorais relativos ao ativo (pintura, música, vídeo), o autor continuará com seus direitos sobre a obra.

Um ponto a ser esclarecido: o NFT em si poderá não será protegido por direitos autorais. NFTs geralmente são formadas por um registro em um banco de dados e um link para o ativo a que se refere a operação. Esses elementos por si só não são suficientes para constituir uma obra de autoria original, que qualificaria a proteção pelo direito autoral ou copyright. Com isso em mente, os chamados “on chain assets” – NFTs que incorporam o próprio ativo em que a operação se baseia – podem se qualificar para a proteção.

Quem é o autor de um ativo digital conectado a um NFT?

Se falamos sobre um individuo que, atuando de forma independente, cria uma obra artística ou musical em formato digital, este será o autor.

Mas a resposta se torna um pouco mais complexa se tratamos de outros cenários, como trabalhos criados com contribuições de várias pessoas, trabalhos criados por empregados ou artistas comissionados, obras derivadas de outras obras, e criações concebidas com o auxílio de Inteligência Artificial ou tecnologias desenvolvidas por terceiros. Essas são algumas das complicações que investidores e entusiastas deverão observar antes de se aventurarem neste campo, que também poderá receber alguma atenção do Poder Legislativo e do Judiciário.

De todo modo, os direitos de autor sempre prevalecerão. O direito moral sobre a obra é intransferível e inalienável, conforme o art. 27 da lei n.º 9.610. Quanto aos direitos patrimoniais, ainda caberá ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra, embora a mecânica possa ser mais complicada no contexto da blockchain.

A lei dos Direitos Autorais determina em seu art. 29 que depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades. Já no Copyright, a transferência do direito deve ser feita por escrito e assinada por seu proprietário. Até que isso aconteça, o autor permanecerá como titular do direito, prevalecendo esta regra aos proprietários subsequentes. [2] Porém, como tais práticas poderão ser implementadas no contexto da blockchain, dado seu uso de carteiras digitais e anonimato absoluto? Como serão veiculados termos por escrito a serem assinados?

Ainda que tais impasses técnicos sejam superados, novas dificuldades surgem em seguida. Se o autor conferir ao titular do NFT a possibilidade de distribuir, editar, reproduzir ou demais direitos exemplificados no art. 29 da lei n.º 9.610, não há uma forma estabelecida de prevenir que o uso inadequado ou abuso desses direitos dentro da sistemática dos NFTs.

Como o proprietário de um NFT poderá utilizar seus ativos digitais?

Isto depende dos termos acertados ao se emitir um NFT, o que pode variar de forma ampla. Por exemplo, os NFTs emitidos pela NBA Top Shot tornam seu titular proprietário de um “momento”, com uma licença não exclusiva de usar, copiar e exibir uma jogada para uso pessoal e não comercial, na galeria de um website de vendas e trocas ou sites de terceiros que permitem a inclusão deste formato de mídia.

Determinar o escopo de direitos que irão acompanhar um NFT requer muita análise, considerando uma boa estratégia de Propriedade Intelectual.

Outras questões relativas ao aspecto legal das NFTs

São várias as questões, e novamente, a novidade do assunto mantém um vasto espaço para estudo e observação. Algumas delas são:

  • Como as plataformas de NFT, emissores e autores limitam seus riscos e garantem seus direitos?
  • Que direitos e opões legais um criador possui se um NFT for emitido sem autorização com base em seu trabalho?
  • Como as plataformas de NFT, emissores e autores garantem seus direitos contra proprietários de NFTs que violam termos da licença e restrições contratuais?
  • Em obras já licenciadas, é necessário recorrer ao autor para expandir os direitos caso deseje-se a emissão de um NFT em relação a esta? Ou a licença existente já cobre este tipo de uso?
  • Como anexar termos e condições a um NFT de forma clara e visível? E como garantir que estes termos sigam a NFT e vinculem seus próximos donos?
  • Quais direitos de imagem e direitos conexos devem ser observados se a obra em que um NFT se baseia inclui a voz, imagem ou performance de outros indivíduos?
  • Como os direitos morais impactam os NFTs no Brasil e no resto do mundo?
  • Que direitos e medidas judiciais o proprietário de um NFT possui e quem estaria no polo passivo, no caso do desaparecimento ou alteração da obra vinculada ao token?
  • Quando a propriedade sobre um NFT é transferida, os direitos e privilégios do dono original persistem ou desaparecem?
  • Como desenvolver projetos baseados em NFTs que obedeçam com as leis e regulamentos existentes, tais como tributação, seguros, compliance e lei anticorrupção (para evitar lavagem de dinheiro)?
  • Quais são as implicações da emissão de NFTs com uso não autorizado de marcas?
  • Como as limitações temporais dos direitos autorais funcionarão se os NFTs são desenvolvidos como bens sem prazo de validade?

 


 

[1] Serra, Márcio Guerra. Registro de imóveis 1: parte geral. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 27.

[2] U.S. Copyright Office, Chapter 2, Section 204, “a”. Execution of transfers of copyright ownership. (a) A transfer of copyright ownership, other than by operation of law, is not valid unless an instrument of conveyance, or a note or memorandum of the transfer, is in writing and signed by the owner of the rights conveyed or such owner’s duly authorized agent. Disponível em: www.copyright.gov/title17/92chap2.html

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